Teus, ó Senhor são a grandeza, o poder, a glória, a majestade e o esplendor, pois tudo o que há nos céus e na terra é teu. Teu, ó Senhor é o reino, Tu estás acima de tudo. 1 Crônicas 29:11
Há 100 anos, quando publicou sua Teoria da
Relatividade Geral, o físico Albert Einstein previu a
existência de ondas de gravidade – ondulações no tecido do
espaço-tempo provocadas pela movimentação de corpos com grandes massas, dotados
de poderosos campos gravitacionais. As tais ondas eram bonitas na lógica e os
cientistas achavam que elas existiam mesmo. Ninguém conseguira detectá-las. Até
setembro passado. Na quinta-feira (12), cientistas do Observatório de Ondas
Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo) anunciaram a
detecção de ondas de gravidade geradas pela colisão de dois buracos
negros. O evento aconteceu há 1,3 bilhão de
anos e atingiu a Terra no final de 2015. ÉPOCA explicou o
que são ondas de gravidade e como a descoberta foi feita em outra
reportagem. O anúncio do Ligo animou os cientistas. A
detecção de ondas de gravidade serve de evidência para a Teoria da Relatividade
Geral, e ressalta a importância do trabalho de Einstein para a física moderna.
Mais que isso, elas também nos fornecem uma nova maneira de investigar o
Universo. Até hoje, a astronomia tenta entender o cosmos por meio da
radiação – nossas variedades de telescópio processam diferentes comprimentos de
onda do espectro eletromagnético, desde a luz visível aos raios-x, para criar
imagens de galáxias distantes. Eles são inúteis para estudar algumas estruturas
mesquinhas, como os buracos negros, pouco afeitas à
ideia de liberar radiação para ser estudada.
As ondas de gravidade poderão ser usadas para investigar esses fenômenos e nos
permitir maior compreensão do que acontece no espaço profundo: “O potencial de
descoberta é incrível”, diz Ira Thorpe, astrofísico da
Nasa, a Agência Espacial Americana. “Nós inauguramos o campo da
astronomia de ondas gravitacionais”. Thorpe também trabalha com ondas de gravidade. Ele é membro
de um projeto chamado Lisa Pathfinder, realizado pela
Agência Espacial Europeia em parceria com outras organizações
em todo o mundo. A ambição desses cientistas é colocar um detector de
ondas de gravidade no espaço, entre a Terra e o Sol. Ali, o aparelho –
muito sensível – estará livre do ambiente tumultuado encontrado em terra, cheio
de interferências. “Ele nos permitirá obervar tipos diferentes de fontes de
ondas de gravidade, como os milhões de buracos negros nos centros das galáxias”,
diz Thorpe. O Lisa Pathfinder é uma versão de testes desse projeto e foi lançado
em dezembro de 2015. Thorpe explica porque está animado com o anúncio do
Ligo. ÉPOCA – O que as ondas gravitacionais podem nos
ensinar sobre o Universo? O potencial
de descobertas é imenso. Historicamente, toda vez que começamos a usar uma nova
ferramenta para olhar o universo – radioastronomia, raios x – fizemos
descobertas inesperadas e fascinantes. Um detector de ondas gravitacionais é o
tipo de telescópio mais peculiar que conseguimos imaginar, por isso espero que
façamos descobertas de grande importância. Mesmo o sistema anunciado nesta
quinta-feira, resultante da fusão de dois buracos negros cuja massa era 29 e 36
vezes a massa do nosso Sol, foi um anúncio inesperado. Nós sabíamos que, na
teoria, o Ligo era capaz de detectar esse tipo de sistema, mas não tínhamos
certeza de que eles existiam na natureza. Porque trata-se de algo quase
impossível de observar por qualquer outro método. Essa descoberta é apenas uma
pequena amostra do potencial dessa técnica. ÉPOCA: A comunidade científica alimentava grandes
expectativas para o anúncio do Ligo desde setembro passado. Há quem diga
tratar-se da descoberta científica mais importante em décadas. Qual a relevância
desse anúncio para a ciência? O anúncio é
importante porque ele é pioneiro, e inaugura o campo da astronomia de ondas
gravitacionais. Ainda vamos fazer ciência de boa qualidade com os dados
coletados a partir desse sistema, e eu espero que o Ligo traga novas descobertas
– em ritmo crescente –à medida que seu aparato for sendo aperfeiçoado. Outros
esforços de pesquisa vão se unir ao Ligo nos próximos anos, e o campo deve se
desenvolver muito. Mas esse sistema de buraco negro, que agora batizamos de
GW20150914, vai ser famoso para sempre por ter sido o primeiro. De maneira mais geral, a descoberta também exemplifica o
poder do método científico. Tínhamos uma previsão, uma teoria elaborada por
Einstein há um século que, na época, era vista mais como uma espécie de
curiosidade matemática. Conforme a tecnologia avançava, percebeu-se que
confirmar essa teoria era algo factível. Um esforço empreendido por centenas de
cientistas ao longo de décadas provou que aquela previsão era verdadeira. É algo
fascinante. ÉPOCA: Ondas gravitacionais são geradas apenas por
eventos extremos, como o choque de dois buracos negros? Ou corpos com menos
massa também podem criá-las? Em princípio,
qualquer massa em movimento, como a Terra girando em torno do Sol, vai gerar
ondas gravitacionais. No entanto, essas ondas são muito fracas para ser
detectadas por qualquer instrumento que possamos imaginar atualmente. É
necessário algo da medida extrema de um buraco negro para produzir um efeito
capaz de ser percebido na Terra, ainda que a bilhões de anos luz de
distância. ÉPOCA: Durante os anos 1990, quando o Ligo foi
criado, houve uma discussão quanto a se ele deveria ou não receber verbas do
governo americano. Ondas gravitacionais não têm aplicações cotidianas. Por que,
ainda assim, é importante apostar nesse tipo de pesquisa? Como várias outras áreas das ciências básicas, a onda gravitacionais
não têm impacto prático e imediato na sociedade. Não vamos usá-las como fonte de
energia nem como meio de comunicação. Mas é possível que outras tecnologias
desenvolvidas para o Ligo tenham aplicação em outras áreas da ciência, ou mesmo
potencial comercial. Mais importante que isso, nós usamos essas pesquisas para
entender a natureza do universo e nosso lugar nele, um esforço com o qual a
sociedade simpatiza. O dinheiro investido nessa pesquisa vai retornar para a
sociedade, para a indústria e para o mundo acadêmico. A força de trabalho
treinada em projetos como o Ligo será capaz de prestar contribuições
importantes, dentro e fora da esfera científica. ÉPOCA: A teoria da relatividade geral de Einstein
completou 100 anos em 2015. Há ainda algo nela que careça de
confirmação? A natureza da ciência diz que uma teoria nunca
é completamente provada. A evidência que a suporta simplesmente continua a
surgir. Ondas de gravidade, sem dúvida, estão entre as mais bizarras e exóticas
previsões da Relatividade Geral, e sua observação representa um imenso triunfo
para a teoria de Einstein. Eu espero que a astronomia de ondas de gravidade seja
capaz de fazer experimentos cada vez mais precisos. Ainda sim, em algum nível,
continuamos a procurar por falhas na teoria que, talvez, possam levar a novas
descobertas. ÉPOCA: O senhor trabalha em um projeto que, no
futuro, planeja colocar um detector de ondas de gravidade no espaço. Qual a
vantagem de um aparelho desses em relação a um detector em
terra? Trabalho no Lisa Pathfinder, um projeto que tenta
demonstrar quais tecnologias podem ser usadas para detectar ondas de gravidade
no espaço. Ele antecipa certos conceitos que tentamos testar, como o da Antena
Espacial de Interferômetro Laser (Lisa, na sigla em inglês). Estar nos espaço
pode ser vantajoso em, pelo menos, dois sentidos: esses aparelhos podem ser
muito grandes (com milhares de quilômetros), e podem ficar distantes do ambiente
barulhento da Terra. Isso permitira a Lisa ser sensível a comprimentos de onda
diferentes do que Ligo detecta hoje. E nos permitirá obervar tipos diferentes de
fontes de ondas de gravidade, como os milhões de buracos negros nos centros das
galáxias. A ideia do Lisa não é suplantar o Ligo, mas servir como seu
complemento. Mais ou menos como a radioastronomia complementa a astronomia
óptica. ÉPOCA: O anúncio feito pelo Ligo terá de ser
reproduzido por outros grupos de pesquisa, ou já podemos considerar a descoberta
deles correta? Certeza é um conceito difícil de trabalhar em
ciência. Pessoalmente, eu confio bastante no Ligo. Eles não anunciaram sua
descoberta antes de o trabalho ser revisado por cientistas de fora do grupo e
ser aceito por uma revista científica. O Ligo tenta evitar alarmes falsos ao
manter dois detectores distantes um do outro. O sinal deve ser reconhecido por
ambos, para ser levado em conta. Há outros grupos trabalhando com abordagens
semelhantes ao Ligo. A relação é de colaboração muito mais que de competição. Ao
colocar mais detectores para funcionar, nós vamos, gradualmente, aumentar a
sensibilidade do sistema, reduzir as possibilidades de alarmes falsos e
aprimorar a nossa habilidade de determinar de que ponto do céu o sinal detectado
partiu. Há detectores na Europa que ajudaram no trabalho apresentado na
quinta-feira. E outros devem ser construídos no Japão, Índia e China.
a Terra teria sido varrida pelos ventos de um Sol jovem
Para um planeta abrigar vida, ele precisa ganhar
numa espécie de loteria cósmica. O surgimento de vida, ao menos do tipo de vida
que conhecemos, exige que o planeta atenda a uma série de requisitos: é preciso
que ele seja rochoso e tenha água em estado líquido. É preciso que ele esteja a
uma distância de sua estrela que lhe garanta receber a quantidade adequada de
radiação – de modo a não ser nem muito quente, nem muito frio. Pesquisas
recentes sustentam, inclusive, que para a vida ser bem-sucedida em um planeta, é
preciso que os primeiros seres vivos a surgir em sua superfície sejam capazes de
interferir na quantidade de gases estuda da atmosfera – para evitar que a
temperatura caia demais. Não basta que a vida apareça. É preciso aparecer o
tipo certo de vida.
O
professor José-Dias do Nascimento, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e pesquisador do Centro de Astrofísica da Universidade Harvard, decidiu
adicionar uma nova exigência a essa lista já bastante extensa. Segundo ele, para
um planeta rochoso, com água líquida e na zona habitável de uma estrela ser
propício ao surgimento de seres vivos, ele também precisa contar com a proteção
de um campo magnético. Nascimento e sua equipe simularam o que aconteceria à
Terra se o planeta não tivesse esse escudo e ficasse exposta à violência de um
Sol jovem. Concluiu que a radiação solar teria varrido a atmosfera do planeta –
que viraria um deserto gelado. O estudo foi publicado nesta quarta-feira (16) no
periódico científico Astrophysical Journal
Letters.
Nascimento estuda
estrelas gêmeas do Sol - que possuam massa e composição semelhante as dele.
Nesse grupo, há uma estrela jovem chamada Kappa Ceti. Ela tem algo entre 400 e
600 milhões de anos e está localizada à 30 anos luz de distância da Terra, na
constelação de Baleia: “A Kappa Ceti é bastante parecida com o que o Sol era
quando a vida surgiu na Terra”, diz ele.
O estudo de Nascimento demonstrou que o campo magnético de Kappa Ceti
– e os ventos solares que dela emanam – é 50 vezes mais forte que o do Sol hoje.
Isso significa que, quando a vida começava a surgir na Terra, nossa estrela era
muito mais violenta. Sabendo disso, os cientistas decidiram simular o que
aconteceria a um planeta hipotético caso estivesse na zona habitável dessa
estrela jovem. Pelo modelo que os pesquisadores geraram, a atmosfera desse
planeta seria extirpada. “O vento solar que chega a Terra é cheio de partículas
carregadas” diz Nascimento. “Se a Terra não tivesse nenhuma proteção, qualquer
tipo de vida teria desaparecido nessa época”.
Para nossa sorte, a Terra era protegida – segundo os pesquisadores, o
campo magnético do planeta já era, naquele período, semelhante ao que é hoje.
Essa proteção evitou que tivéssemos o destino reservado aos nossos vizinhos. No
sistema solar, Marte era outro forte candidato a abrigar vida. “Se um astrônomo
alienígena olhasse o Sistema Solar, diria que há vida na Terra e em Marte”, diz
Nascimento. Mas as características físicas de Marte não permitiram a existência
de um campo magnético duradouro. Acredita-se que o campo magnético terrestre
seja gerado pela movimentação de material líquido no núcleo do planeta. “Mas
Marte é menor que a Terra. Provavelmente, esse núcleo resfriou e o campo
magnético desapareceu”, diz Nascimento. Sem esse escudo, a atmosfera Marciana
foi sumindo aos poucos. Em 2015, astrônomos da Nasa conseguiram
medir a quantidade de gases tirada de Marte pelos ventos solares
– 100g por segundo. No
passado, Marte era um planeta quente e úmido. Essa ação deletéria do Sol o
transformou em um deserto gelado.
Nascimento conta que ainda não se sabe
se há planetas nas proximidades de Kappa Ceti. Se houver, e esses planetas
estiverem na zona habitável da estrela, pode ser que abriguem vida. Isto é, se
tiverem a sorte de contar com escudos magnéticos para protegê-los de seu sol
violento.