terça-feira, 19 de abril de 2016

TECIDO DO COSMO: A ILUSÃO DO TEMPO

POTENCIAL É IMENSO SOBRE ONDAS DE GRAVIDADE


Foto: Reprodução/ Ligo)

Há 100 anos, quando publicou sua Teoria da Relatividade Geral, o físico Albert Einstein previu a existência de ondas de gravidade – ondulações no tecido do espaço-tempo provocadas pela movimentação de corpos com grandes massas, dotados de poderosos campos gravitacionais. As tais ondas eram bonitas na lógica e os cientistas achavam que elas existiam mesmo. Ninguém conseguira detectá-las. Até setembro passado.

Na quinta-feira (12), cientistas do  Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo) anunciaram a detecção de ondas de gravidade geradas pela colisão de dois buracos negros. O evento aconteceu há 1,3 bilhão de anos e atingiu a Terra no final de 2015. ÉPOCA explicou o que são ondas de gravidade e como a descoberta foi feita em outra reportagem.

O anúncio do Ligo animou os cientistas. A detecção de ondas de gravidade serve de evidência para a Teoria da Relatividade Geral, e ressalta a importância do trabalho de Einstein para a física moderna. Mais que isso, elas também nos fornecem uma nova maneira de investigar o Universo. Até hoje, a astronomia tenta entender o cosmos por meio da radiação – nossas variedades de telescópio processam diferentes comprimentos de onda do espectro eletromagnético, desde a luz visível aos raios-x, para criar imagens de galáxias distantes.  Eles são inúteis para estudar algumas estruturas mesquinhas, como os buracos negros, pouco afeitas à ideia de liberar radiação para ser estudada. As ondas de gravidade poderão ser usadas para investigar esses fenômenos e nos permitir maior compreensão do que acontece no espaço profundo: “O potencial de descoberta é incrível”, diz Ira Thorpe, astrofísico da Nasa, a Agência Espacial Americana. “Nós inauguramos o campo da astronomia de ondas gravitacionais”.

Thorpe também trabalha com ondas de gravidade. Ele é membro de um projeto chamado Lisa Pathfinder, realizado pela Agência Espacial Europeia em parceria com outras organizações em todo o mundo. A ambição desses cientistas é colocar um detector de ondas de gravidade no espaço, entre a Terra e o Sol. Ali, o aparelho – muito sensível – estará livre do ambiente tumultuado encontrado em terra, cheio de interferências. “Ele nos permitirá obervar tipos diferentes de fontes de ondas de gravidade, como os milhões de buracos negros nos centros das galáxias”, diz Thorpe. O Lisa Pathfinder é uma versão de testes desse projeto e foi lançado em dezembro de 2015. Thorpe explica porque está animado com o anúncio do Ligo.

ÉPOCA – O que as ondas gravitacionais podem nos ensinar sobre o Universo? O potencial de descobertas é imenso. Historicamente, toda vez que começamos a usar uma nova ferramenta para olhar o universo – radioastronomia, raios x – fizemos descobertas inesperadas e fascinantes. Um detector de ondas gravitacionais é o tipo de telescópio mais peculiar que conseguimos imaginar, por isso espero que façamos descobertas de grande importância. Mesmo o sistema anunciado nesta quinta-feira, resultante da fusão de dois buracos negros cuja massa era 29 e 36 vezes a massa do nosso Sol, foi um anúncio inesperado. Nós sabíamos que, na teoria, o Ligo era capaz de detectar esse tipo de sistema, mas não tínhamos certeza de que eles existiam na natureza. Porque trata-se de algo quase impossível de observar por qualquer outro método. Essa descoberta é apenas uma pequena amostra do potencial dessa técnica.

ÉPOCA: A comunidade científica alimentava grandes expectativas para o anúncio do Ligo desde setembro passado. Há quem diga tratar-se da descoberta científica mais importante em décadas. Qual a relevância desse anúncio para a ciência? O anúncio é importante porque ele é pioneiro, e inaugura o campo da astronomia de ondas gravitacionais. Ainda vamos fazer ciência de boa qualidade com os dados coletados a partir desse sistema, e eu espero que o Ligo traga novas descobertas – em ritmo crescente –à medida que seu aparato for sendo aperfeiçoado. Outros esforços de pesquisa vão se unir ao Ligo nos próximos anos, e o campo deve se desenvolver muito. Mas esse sistema de buraco negro, que agora batizamos de GW20150914, vai ser famoso para sempre por ter sido o primeiro.

De maneira mais geral, a descoberta também exemplifica o poder do método científico. Tínhamos uma previsão, uma teoria elaborada por Einstein há um século que, na época, era vista mais como uma espécie de curiosidade matemática. Conforme a tecnologia avançava, percebeu-se que confirmar essa teoria era algo factível. Um esforço empreendido por centenas de cientistas ao longo de décadas provou que aquela previsão era verdadeira. É algo fascinante.

ÉPOCA: Ondas gravitacionais são geradas apenas por eventos extremos, como o choque de dois buracos negros? Ou corpos com menos massa também podem criá-las? Em princípio, qualquer massa em movimento, como a Terra girando em torno do Sol, vai gerar ondas gravitacionais. No entanto, essas ondas são muito fracas para ser detectadas por qualquer instrumento que possamos imaginar atualmente. É necessário algo da medida extrema de um buraco negro para produzir um efeito capaz de ser percebido na Terra, ainda que a bilhões de anos luz de distância.

ÉPOCA: Durante os anos 1990, quando o Ligo foi criado, houve uma discussão quanto a se ele deveria ou não receber verbas do governo americano. Ondas gravitacionais não têm aplicações cotidianas. Por que, ainda assim, é importante apostar nesse tipo de pesquisa? Como várias outras áreas das ciências básicas, a onda gravitacionais não têm impacto prático e imediato na sociedade. Não vamos usá-las como fonte de energia nem como meio de comunicação. Mas é possível que outras tecnologias desenvolvidas para o Ligo tenham aplicação em outras áreas da ciência, ou mesmo potencial comercial. Mais importante que isso, nós usamos essas pesquisas para entender a natureza do universo e nosso lugar nele, um esforço com o qual a sociedade simpatiza. O dinheiro investido nessa pesquisa vai retornar para a sociedade, para a indústria e para o mundo acadêmico. A força de trabalho treinada em projetos como o Ligo será capaz de prestar contribuições importantes, dentro e fora da esfera científica.

ÉPOCA: A teoria da relatividade geral de Einstein completou 100 anos em 2015. Há ainda algo nela que careça de confirmação? A natureza da ciência diz que uma teoria nunca é completamente provada. A evidência que a suporta simplesmente continua a surgir. Ondas de gravidade, sem dúvida, estão entre as mais bizarras e exóticas previsões da Relatividade Geral, e sua observação representa um imenso triunfo para a teoria de Einstein. Eu espero que a astronomia de ondas de gravidade seja capaz de fazer experimentos cada vez mais precisos. Ainda sim, em algum nível, continuamos a procurar por falhas na teoria que, talvez, possam levar a novas descobertas.

ÉPOCA: O senhor trabalha em um projeto que, no futuro, planeja colocar um detector de ondas de gravidade no espaço. Qual a vantagem de um aparelho desses em relação a um detector em terra? Trabalho no Lisa Pathfinder, um projeto que tenta demonstrar quais tecnologias podem ser usadas para detectar ondas de gravidade no espaço. Ele antecipa certos conceitos que tentamos testar, como o da Antena Espacial de Interferômetro Laser (Lisa, na sigla em inglês). Estar nos espaço pode ser vantajoso em, pelo menos, dois sentidos: esses aparelhos podem ser muito grandes (com milhares de quilômetros), e podem ficar distantes do ambiente barulhento da Terra. Isso permitira a Lisa ser sensível a comprimentos de onda diferentes do que Ligo detecta hoje. E nos permitirá obervar tipos diferentes de fontes de ondas de gravidade, como os milhões de buracos negros nos centros das galáxias. A ideia do Lisa não é suplantar o Ligo, mas servir como seu complemento. Mais ou menos como a radioastronomia complementa a astronomia óptica.

ÉPOCA: O anúncio feito pelo Ligo terá de ser reproduzido por outros grupos de pesquisa, ou já podemos considerar a descoberta deles correta? Certeza é um conceito difícil de trabalhar em ciência. Pessoalmente, eu confio bastante no Ligo. Eles não anunciaram sua descoberta antes de o trabalho ser revisado por cientistas de fora do grupo e ser aceito por uma revista científica. O Ligo tenta evitar alarmes falsos ao manter dois detectores distantes um do outro. O sinal deve ser reconhecido por ambos, para ser levado em conta. Há outros grupos trabalhando com abordagens semelhantes ao Ligo. A relação é de colaboração muito mais que de competição. Ao colocar mais detectores para funcionar,  nós vamos, gradualmente, aumentar a sensibilidade do sistema, reduzir as possibilidades de alarmes falsos e aprimorar a nossa habilidade de determinar de que ponto do céu o sinal detectado partiu. Há detectores na Europa que ajudaram no trabalho apresentado na quinta-feira. E outros devem ser construídos no Japão, Índia e China.

Revista Época

O CAMPO MAGNÉTICO DA TERRA PERMITIU A EXISTÊNCIA DE VIDA NO PLANETA

Edufrn/UFRN

a Terra teria sido varrida pelos ventos de um Sol jovem

Para um planeta abrigar vida, ele precisa ganhar numa espécie de loteria cósmica. O surgimento de vida, ao menos do tipo de vida que conhecemos, exige que o planeta atenda a uma série de requisitos: é preciso que ele seja rochoso e tenha água em estado líquido. É preciso que ele esteja a uma distância de sua estrela que lhe garanta receber a quantidade adequada de radiação – de modo a não ser nem muito quente, nem muito frio. Pesquisas recentes sustentam, inclusive, que para a vida ser bem-sucedida em um planeta, é preciso que os primeiros seres vivos a surgir em sua superfície sejam capazes de interferir na quantidade de gases estuda da atmosfera – para evitar que a temperatura caia demais. Não basta que a vida apareça. É preciso aparecer o tipo certo de vida.

O professor José-Dias do Nascimento, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pesquisador do Centro de Astrofísica da Universidade Harvard, decidiu adicionar uma nova exigência a essa lista já bastante extensa. Segundo ele, para um planeta rochoso, com água líquida e na zona habitável de uma estrela ser propício ao surgimento de seres vivos, ele também precisa contar com a proteção de um campo magnético. Nascimento e sua equipe simularam o que aconteceria à Terra se o planeta não tivesse esse escudo e ficasse exposta à violência de um Sol jovem. Concluiu que a radiação solar teria varrido a atmosfera do planeta – que viraria um deserto gelado. O estudo foi publicado nesta quarta-feira (16) no periódico científico Astrophysical Journal Letters. 

Nascimento estuda estrelas gêmeas do Sol - que possuam massa e composição semelhante as dele. Nesse grupo, há uma estrela jovem chamada Kappa Ceti. Ela tem algo entre 400 e 600 milhões de anos e está localizada à 30 anos luz de distância da Terra, na constelação de Baleia: “A Kappa Ceti é bastante parecida com o que o Sol era quando a vida surgiu na Terra”, diz ele.

O estudo de Nascimento demonstrou que o campo magnético de Kappa Ceti – e os ventos solares que dela emanam – é 50 vezes mais forte que o do Sol hoje. Isso significa que, quando a vida começava a surgir na Terra, nossa estrela era muito mais violenta. Sabendo disso, os cientistas decidiram simular o que aconteceria a um planeta hipotético caso estivesse na zona habitável dessa estrela jovem.  Pelo modelo que os pesquisadores geraram, a atmosfera desse planeta seria extirpada. “O vento solar que chega a Terra é cheio de partículas carregadas” diz Nascimento. “Se a Terra não tivesse nenhuma proteção, qualquer tipo de vida teria desaparecido nessa época”.

Para nossa sorte, a Terra era protegida – segundo os pesquisadores, o campo magnético do planeta já era, naquele período, semelhante ao que é hoje. Essa proteção evitou que tivéssemos o destino reservado aos nossos vizinhos. No sistema solar, Marte era outro forte candidato a abrigar vida. “Se um astrônomo alienígena olhasse o Sistema Solar, diria que há vida na Terra e em Marte”, diz Nascimento. Mas as características físicas de Marte não permitiram a existência de um campo magnético duradouro. Acredita-se que o campo magnético terrestre seja gerado pela movimentação de material líquido no núcleo do planeta. “Mas Marte é menor que a Terra. Provavelmente, esse núcleo resfriou e o campo magnético desapareceu”, diz Nascimento.  Sem esse escudo, a atmosfera Marciana foi sumindo aos poucos. Em 2015, astrônomos da Nasa conseguiram medir a quantidade de gases tirada de Marte pelos ventos solares – 100g por segundo. No passado, Marte era um planeta quente e úmido. Essa ação deletéria do Sol o transformou em um deserto gelado.

Nascimento conta que ainda não se sabe se há planetas nas proximidades de Kappa Ceti. Se houver, e esses planetas estiverem na zona habitável da estrela, pode ser que abriguem vida. Isto é, se tiverem a sorte de contar com escudos magnéticos para protegê-los de seu sol violento.
Revista Época