Há vinte anos já se desconfiava: a Terra rodopia
no espaço a mais de 2 milhões de quilômetros por hora. A novidade é que agora já
sabemos para onde. Nosso destino é o Grande Atrator.
Desde a década de 70, os astrônomos suspeitam que
a Terra viaja pelo Cosmo a 2,2 milhões de quilômetros por hora. Agora, eles
acabam de descobrir para onde estamos indo. Vamos para o Grande Atrator, que
fica atrás da fenomenal concentração de galáxias conhecida como aglomerado de
Centauro. Pois assim é: o planeta é arrastado em rodopios pelo espaço. Primeiro,
ao redor do Sol. Depois, com todo o sistema solar, em torno da Via Láctea. Esta,
por sua vez, tem seu próprio movimento entre outras galáxias vizinhas… e assim
por diante, até o Grande Atrator.
Depois de mais de vinte anos de pesquisas, os
cientistas podem, enfim, apontar para um ponto na direção do aglomerado de
Centauro, a mais de 137 milhões de anos-luz (um ano-luz equivale a 9,5 trilhões
de quilômetros) e dizer: É aqui!. Mesmo sem nada conseguir enxergar naquele
local, eles têm certeza de que o próprio aglomerado de Centauro é atraído por um
superagrupamento de galáxias maior ainda este sim, o tão procurado Grande
Atrator. Acreditamos que esse verdadeiro vespeiro de galáxias seja provocado
pelo encontro de dois outros imensos grupos alinhados em forma de uma grande
parede, afirma o astrofísico Paulo Sérgio Pellegrini, do Observatório Nacional
do Rio de Janeiro. A massa desse incrível bolo gera uma formidável força de
gravidade que atrai as galáxias da região da Via Láctea e até mais
além.
Pellegrini faz parte da equipe chefiada por Luiz
Nicolaci da Costa, que trabalha no mapeamento do Universo desde 1981. A pesquisa
realizada pelos cientistas brasileiros, em colaboração com astrônomos da
Argentina, do Chile e da África do Sul, foi fundamental na descoberta das
chamadas muralhas de galáxias que levaram ao próprio Grande
Atrator.
A idéia do Grande Atrator não é exatamente nova.
Já na década de 70, desconfiava-se da existência da poderosa draga cósmica. Em
1986, um grupo de sete pesquisadores cinco americanos, um inglês e um
argentino começava a desvendar o grande mistério. Os Sete Samurais, como são
apelidados os astrônomos, famosos por aceitar e vencer grandes desafios
cieníficos, previram que esse enigmático ímã deveria estar na direção do
aglomerado de Centauro.
Por meio da observação de mais de 400 galáxias e
de complexas equações matemáticas, eles calcularam as diversas direções e
velocidades em que a Terra viaja. Isso porque o caminho dessa jornada é definido
pela força de gravidade de diversos corpos ao nosso redor. O planeta gira em
torno do Sol, que está preso a um dos braços da galáxia. A Via Láctea, por sua
vez, faz parte de um grupo de cerca de trinta galáxias, que corre em direção ao
aglomerado de Virgem. Calculando tudo, os cientistas concluíram que a viagem vai
até mais além, numa região intermediária entre Centauro e
Virgem.
Pode-se comparar essa dança de forças à
correnteza de um rio, diz Pellegrini. Em alguns pontos, a água acelera em
turbilhão entre as pedras; às vezes, ela flui vagarosamente junto à margem,
para, mais adiante, entrar em redemoinho. Mas, no final, o destino é um só: o
mar. Na escala cósmica, o Grande Atrator funciona justamente como um oceano,
para onde as galáxias escorrem.
Os Sete Samurais descobriram, então, que a Terra
avança através do espaço a estonteantes 2,2 milhões de quilômetros por hora. Ou
seja, algo em torno de 5 000 vezes mais que a velocidade a que chegam os carros
de corrida da Fórmula Indy, ou até cinqüenta vezes mais que os foguetes, que
viajam a 40 000 quilômetros por hora. Alerta geral para a tripulação: parece que
temos uma trombada astronômica pela frente. Mas não há motivo para pânico.
Primeiro, porque existe uma boa chance de apenas tirarmos uma fina do ninho de
galáxias. E segundo porque, mesmo que a Terra não resista a essa atração fatal,
um eventual encontro com o Grande Atrator não deve acontecer antes de 130
quintilhões de anos.
Os Samurais previram a localização aproximada
desse misterioso ímã, mas, em 1986, não sabiam dizer mais sobre o que ele é, ou
como é. Isso porque para cúmulo do azar o Grande Atrator está escondido
exatamente atrás do chamado disco da Via Láctea, uma região de intensa
luminosidade, que prejudica a observação de pontos mais distantes.Por causa do
disco, a visibilidade naquela direção é praticamente nula. Os cientistas só
podem contar, então, com os satélites que medem a radiação infravermelha e
ultravioleta emitida pelos astros. Mas a incógnita não duraria muito. Logo
viriam novas informações sobre o complexo celeste que atrai a
Terra.
Ainda em meados da década de 80, outra equipe de
pesquisadores, liderada por Margareth Geller e John Huchra, do Centro de
Astrofísica do Instituto Harvard-Smithsonian, nos Estados Unidos, surpreendia o
mundo com a descoberta de um objeto até então inimaginável: uma gigantesca
parede de galáxias, de 150 milhões de anos-luz de comprimento, na região do
aglomerado de Virgem. A primeira reação dos cientistas foi de sutil
descrédito.
Mas nem todos duvidaram de cara. Deste lado do
mundo, os astrônomos brasileiros e seus colaboradores argentinos, chilenos e
sul-africanos continuavam o levantamento do que existe na porção do Universo
vista do Hemisfério Sul. E levaram a sério aquela história de muralha. Na
verdade, os brasileiros desconfiavam dessas grandes concentrações de galáxias,
havia já alguns anos.
Hoje, juntando todos os dados coletados em porções
cada vez mais profundas (significa dizer, mais distantes) do Universo, foi
marcada a posição de 3 600 galáxias. E grata surpresa foram achadas duas
grandes paredes que se encontram bem perto do ponto onde os Sete Samurais
previam que estaria o Grande Atrator, na região de Centauro. Com a participação
dos brasileiros, o mistério começava a ser desvendado.
Mais do que identificar o Grande Atrator, as
últimas observações comprovaram o que se acreditava ser absolutamente
improvável. A combinação dos dados levantados nos hemisférios Norte e Sul mais
de 14 000 galáxias numa profundidade de 900 milhões de anos-luz da Terra
mostrou que a estrutura de paredes existe nas duas metades do céu. Isso quer
dizer que não há uma única Grande Muralha, mas que essas paredes são muito mais
comuns do que se pensava, comenta Nicolaci da Costa. E levanta novas questões
para a Cosmologia como, por exemplo, a de que o Universo talvez seja composto de
bolhas de vazio rodeadas por paredes de matéria.
Se essa hipótese se comprovar, significa que, em
algum momento longínquo do passado do Universo, alguma estranha perturbação
começou a dar verdadeiros nós de matéria em certos pontos do espaço. Como
massa atrai massa, pela força de gravidade, a lógica prevê que isso acabaria
mesmo causando o esvaziamento das regiões em torno desses
pontos.
Nesse caso, pode-se imaginar o espaço cósmico
dividido em casulos, como uma colméia irregular. As paredes de cada casulo
constituem as muralhas por onde as galáxias escorregam em direção aos vértices
provavelmente os grandes atratores finais. O problema é que não existe nenhum
modelo sobre a formação do Universo que explique o que seriam e como teriam
surgido tais perturbações no início do Cosmo.
A descoberta do Grande Atrator não quer dizer,
necessariamente, que tenhamos vislumbrado o ponto final dessa corrida maluca. Os
astrônomos já estudam a possibilidade de outras paredes de galáxias estarem
influindo em todo o movimento. Desse modo, o Grande Atrator criado pela
intersecção de duas muralhas deve ser a força predominante nas nossas redondezas
que é tudo o que temos, mais ou menos mapeado.
Já existem indícios de que outra parede, chamada
Perseus-Peixes, na região do céu oposta a Centauro, seja outra fonte de atração
a influir em todo esse movimento, conclui Pellegrini. A resposta definitiva a
todas essas questões ainda depende de muita observação. Afinal, como diz
Margareth Geller, em termos astronômicos, ainda não conseguimos ver além do
jardim da nossa própria casa.
O Universo em cubos
A estrutura do Cosmo pode ser comparada a uma
colméia, a um grupo de bolhas de sabão, ou, para ficar fácil de visualizar, a
cubos empilhados. Segundo a teoria, as galáxias tendem a se juntar em paredes
ou muralhas, que seriam as faces justapostas dos cubos
As faces dos cubos atraem mais e mais galáxias
para compor as muralhas. Assim, o interior dos cubos fica cada vez mais vazio e
as paredes, cada vez mais densas
As arestas são formadas pelo encontro de paredes.
Aí, a concentração a de massa é ainda maior que nas paredes, o que aumenta também
a força de gravidade
Finalmente, os vértices ponto de encontro das
arestas dos cubos são os locais de maior densidade. Portanto, devem ser também
os de maior força gravitacional
Um conjunto de bolhas de sabão também é uma boa
imagem para o Universo. A única diferença em relação à figura à esquerda é que
aqui as paredes e muralhas
são arredondadas.
super.abril.com.br/tecnologia/atencao-tripulacao-terra-rumo-ao-grande-atrator/
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