terça-feira, 12 de outubro de 2010

MAAT PALAVRA DA VERDADE


A verdade não é uma invenção moderna. Tal como a conhecemos, ela existe onde há consciência; uma está envolvida na outra. Mas de onde vem a verdade, a retidão e a justiça, e o que podemos chamar de código de ética? Parece que nossa civilização e nossa cultura têm uma dívida para com o Egito Antigo. De todas as culturas ou países conhecidos, o Egito tem os mais antigos registros históricos, remontando a mais de cinco mil anos.

Em egípcio, a palavra para verdade é Maat.  O uso do Maat surgiu na Era das Pirâmides, iniciada por volta de 2700 a. C. No começo, Maat estava associado ao deus-sol Ra, ao faraó, à administração do país, ao homem comum, aos rituais dos templos.

Além disso, Maat eventualmente passou a ser associado a Osíris, o deus do outro mundo. Para os egípcios antigos, a palavra Maat significava não só verdade mas também retidão e justiça. Seu símbolo do Maat era a pluma de avestruz. A pluma, como símbolo, é encontrada em toda parte do Egito.  nas paredes e colunas dos templos. A pluma pretende transmitir a idéia de que "a verdade existirá". A pluma era transportada nas cerimônias egípcias, muitas vezes sobre um cajado. Ela aparece como fazendo parte do toucado da deusa.

Para os egípcios que viviam na Era das Pirâmides, discernia-se o Maat como algo praticado pelo indivíduo. Era também uma realidade social e governamental existente, bem como uma ordem moral identificada com o governo do faraó. Durante toda a história do Egito Antigo, o Maat foi o que o faraó personificou e aplicou. Maat era a concepção egípcia de justiça; era justiça como a ordem divina da sociedade. Era também a ordem divina da natureza conforme estabelecida no momento da criação. O conceito tanto fazia parte da cosmologia quanto da ética.

Nos textos das pirâmides do Antigo Reino, está dito que Ra surgiu no local da criação: "... Depois ele pôs ordem, Maat, no lugar do caos... sua majestade expulsou a desordem, a falsidade, das duas terras para que a ordem e a verdade fossem ali novamente estabelecidas". A verdade e a ordem foram colocadas no lugar da desordem e da falsidade pelo criador. O faraó, sucessor do criador, repetia este ato importante na sua subida ao trono, quando das suas vitórias, ao terminar a renovação de um templo e em conexão com outros acontecimentos importantes.

Um dos textos das pirâmides diz: "O céu está satisfeito e a terra regozija-se quando ouvem que o Rei Pépi II pôs Maat no lugar da falsidade e da desordem". Os historiadores modernos concluem que a justiça era a essência do governo, inseparável do rei e, portanto, o objetivo reconhecido da preocupação de um funcionário. Ele não só estava envolvido na concepção de justiça como também na ética. Dizia-se que os inúmeros deuses dos egípcios viviam pelo Maat. Isto quer dizer que os poderes encontrados na natureza funcionavam de acordo com a ordem da criação.

Para o povo, o faraó estava com os deuses em sua relação com Maat, como se evidencia por esta citação: "Tornei clara a verdade, Maat, que Ra ama. Sei que ele vive de acordo com ela. Ela também é meu alimento. Eu também como do seu brilho". Assim, o rei ou faraó vivia pelo Maat.

Esperava-se que os funcionários dirigidos pelo faraó vivessem de acordo com o
Maat,conforme o sugere esta citação: "Se és líder e diriges os assuntos de uma multidão, esforça-te por alcançar toda virtude até que não haja mais falhas em tua natureza. Maat é bom e sua obra é duradoura. Ele não foi perturbado desde o dia do seu criador. Aquele que transgride seus decretos é punido. Ele se estende como um caminho à frente até mesmo daquele que nada sabe. A má ação até hoje nunca levou seu empreendimento a termo". O significado aqui é evidente. Ele pede honestidade. Honestidade era sempre o tema.

Os funcionários do faraó devem esforçar-se por alcançar toda virtude, e sempre imparciais, verdadeiros e justos em seu trabalho. Era crença egípcia que a ordem divina foi estabelecida na criação e que esta não só se manifestava na natureza, mas também na sociedade como justiça, e na vida da pessoa como verdade. Maat era esta ordem, a essência da virtude.

O conceito de Maat confirma a antiga crença egípcia de que o universo é imutável, e que todos os opostos aparentes devem manter-se mutuamente num estado de equilíbrio. Ele subentende vigorosamente uma permanência; estimula o homem a esforçar-se por alcançar a virtude até que não tenha mais falhas. A harmonia e a ordem estabelecida de Maat, assim como a permanência, estão subentendidas nisso.

Um homem só teria êxito na vida, se vivesse harmoniosamente de acordo com o conceito de Maat e em sintonia com a sociedade e a natureza. A retidão produzia alegria; o contrário trazia o infortúnio. Este era um conceito profundo para os egípcios antigos, um conceito que ultrapassava o âmbito da ética, poderíamos dizer, e que na verdade afetava a existência do homem e seu relacionamento com a sociedade e a natureza.

O Maat predominava por toda a terra. O camponês insistia que mesmo o mais pobre tinha direitos inerentes. Achava-se que o deus criador fizera todo homem igual ao seu irmão; a existência era curta para quem praticava a inverdade, a falsidade e a desordem, os opostos de Maat  Isto tornava impossível a vida. A eficiência de Maat não podia estar presente quando a pessoa praticava a desonestidade.

Todos os deuses do panteão egípcio agiam de acordo com a ordem estabelecida de Maat. O egípcio acreditava que o Maat da ordem divina seria o mediador entre ele e os deuses. De acordo com essa crença, quando um homem errava não cometia crime contra um deus, mas atingia diretamente a ordem estabelecida. Um ou outro deus providenciaria para que a ordem fosse vingada.

Nas pinturas que se vêem nas paredes dos templos aparece exibindo Maat aos outros deuses diariamente. Assim, o faraó estava cumprindo sua função divina de acordo com a ordem de Maat em nome dos deuses. Vemos aqui também a inferência de permanência, que Maat era eterno e inalterável. Este era a verdade .uma verdade que não era suscetível de verificação ou comprovação. A verdade sempre estava em seu lugar certo na ordem criada e mantida pelos deuses. Era um direito criado e herdado que a tradição dos egípcios antigos transformou num conceito de estabilidade organizada.

A lei da terra era a palavra do faraó, pronunciada por ele de acordo com o conceito de Maat. Como o próprio faraó era um deus, ele era o intérprete terreno de Maat. Em conseqüência, também estava sujeito ao controle de Maat dentro dos limites da sua consciência. Se qualquer egípcio quisesse experimentar a felicidade eterna, esperava-se que fosse moralmente circunspecto. O caráter pessoal era mais importante que a riqueza material.

Segundo a crença do Antigo Reino, Ra era o deus do mundo dos vivos, havendo referências feitas "àquela balança de Ra onde ele pesa Maat. O conceito era que Maat perdurava passando à eternidade.

Para conseguir um lugar na vida futura, um egípcio precisava confessar que não cometera erra algum; portanto, ele fazia uma verdadeira declaração de inocência, que é o inverso de uma confissão. Os egiptólogos e historiadores contemporâneos acham que o termo confissão é errôneo.

Os textos estão escritos em papiros e falam do tribunal para o egípcio. O juiz é Osíris, ajudado por quarenta e dois deuses que se sentam com ele para julgar. Os deuses representavam os quarentas e dois nomos, ou distritos administrativos, do Egito.

O egípcio não devia incorrer jamais no desagrado da sua divindade e do Maat. O conceito do julgamento sem dúvida causava impressão profunda nos egípcios vivos. O drama envolvendo Osíris é vívido e descreve o julgamento tal como afetado pela balança.

Um certo papiro, de excelente feitura e arte, mostra Osíris sentado num trono numa extremidade da sala do tribunal, com Ísis e Néftis de pé atrás dele. Num dos lados da sala estão dispostos os nove deuses da Novena Heliopolitana dirigida pelo deus-sol. No centro está a balança de Ra onde ele pesa a verdade.

Na 18.ª Dinastia, Amenhotep IV desalojou Osíris e os muitos deuses. Ele deu evidência e reenfatizou Maat como o símbolo da verdade, da justiça e da retidão. O disco solar tornou-se Aton. Amenhotep anexava regularmente o símbolo de Maat à forma oficial do seu nome verdadeiro. Em todos os seus monumentos de estado vêem-se escritas as palavras Vivendo na Verdade, ou Maat.

Em conformidade com este fato, Amenhotep chamou sua nova capital de
AquetatonHorizonte de Aton e O Centro da Verdade. Esta última referência é encontrada num breve hino atribuído à Amenhotep quando, com sua rainha
Nefertiti, ele transferiu sua residência para Aquetaton e adotou o nome de
Akhenaton, que significa aquele que é benéfico a Aton.

Os seguidores do conceito monoteísta de Akhenaton estavam plenamente cientes das convicções do faraó sobre Maat . Com freqüência encontramos as pessoas da sua corte glorificando Maat, ou a verdade. Em sua revolução, Aton, o deus único, era o criador e mantenedor da verdade e da retidão. Maat  ou a verdade, era a força cósmica da harmonia, da ordem, da estabilidade e da segurança.

Na Era das Pirâmides, Ptah-hotep apresentou o conceito de que o coração era o centro da responsabilidade e da orientação. No tempo de Tutmosis III, na 18.ª Dinastia, declarou-se que "O coração de um homem é seu próprio deus, e meu coração está satisfeito com meus atos".

Pensava-se que esta fosse a voz interior do coração e, com surpreendente percepção, chegou a ser chamada de o deus de um homem. O egípcio tornara-se mais sensível, mais discriminador na sua aprovação ou reprovação da conduta de um homem. O coração assumiu o equivalente ao significado da nossa palavra consciência.

James Henry Breasted escreveu que da verdade, da retidão, do conceito de justiça de Maat veio a consciência e o caráter. Akhenaton destacou repetidamente o conceito de retidão de Maat. Ele desenvolveu o reconhecimento da supremacia de Maat como retidão e justiça numa ordem moral nacional sob um único deus.

O conceito de Maat do Egito Antigo prevaleceu intensamente até o Reino do Meio ou começo do Período Imperial. Durante algum tempo ele esteve relativamente ignorado, mas recuperou sua força no período de toda a 18.ª Dinastia, especialmente durante o tempo de Akhenaton.

Havia a ineficiência governamental, a indiferença, a fuga da responsabilidade e a desonestidade. A consciência social, o interesse de grupo e a integridade pessoal deixavam de existir. Já não havia mais um homem justo, vivendo em harmonia com a ordem divina de Maat. Deixara de existir o conceito de caráter, de dignidade humana e decência. Quando a ordem estabelecida de Maat  sobre a qual se apoiava o modo de vida egípcio, foi descartada, a vida perdeu o significado. A antiga verdade, Maat, que predominara por uns dois mil anos, deixara de se impor.

Temos de reconhecer pela monumental evidência que, para os egípcios antigos, o conceito de Maat criou uma grande sociedade humana onde havia justiça na pessoa humana e social.